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Thursday, May 18, 2006

Crime, impunidade e esquecimento

Está para completar dois anos de total impunidade mais um crime que cobriu de vergonha o Brasil e alvoroçou o Oeste do Pará: o assassinato, em 3 de julho de 2004, do militante da Pastoral da Juventude da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Itaituba, o pequeno produtor rural Adilson Prestes. Ele foi morto com quatro tiros por dois pistoleiros na porta de sua casa, na Gleba Curuá, em Novo Progresso, a 1.818 quilômetros de Belém. O inquérito policial parece ter sido engavetado e ninguém mais fala sobre o crime. Os pistoleiros, ninguém sabe, ninguém viu. Os mandantes, muito menos. A suspeita é de que Prestes foi assassinado pelo mesmo consórcio de fazendeiros e madeireiros que ele havia denunciado.
Trata-se de um caso semelhante ao da missionária Dorothy Stang, respeitada a importância de cada uma das vítimas. Irmã Dorothy era norte-americana naturalizada brasileira e tinha uma história de lutas em favor da reforma agrária e do desenvolvimento sustentado das terras do município de Anapu. Prestes, um homem rude da floresta, ilustre desconhecido, que defendia a Amazônia a seu modo. Denunciava grileiros e predadores dos recursos naturais e era amigo dos índios caiapós, a quem sempre informava sobre as invasões de suas terras.
Adilson Prestes, um jovem de 33 anos que andava com um grande crucifixo com a imagem de Cristo no peito, não teve nenhuma chance de defesa. Mal estacionava sua motocicleta, ele foi abordado pelo criminoso e executado friamente. Nem teve tempo de puxar a arma que sempre carregava para se defender dos inúmeros inimigos, todos poderosos, que colecionava na região.
Dossiê - Dois anos antes de morrer, num ato de extrema coragem, Adilson Prestes esteve em Belém para entregar às autoridades um dossiê por ele elaborado com denúncias de grilagem de terras, exploração ilegal de mogno e crime organizado na Terra do Meio, uma região cobiçada por grupos econômicos do Brasil e do exterior e bandeira política de defensores do meio ambiente. Suas denúncias literalmente foram ignoradas. Nem o aviso de que era um homem marcado para morrer sensibilizou os engravatados que o ouviram.
Muito pelo contrário, o denunciante virou denunciado, chegando a ficar por várias semanas preso na Delegacia de Itaituba, acusado de porte ilegal de arma. Prestes andava armado porque temia a qualquer momento uma emboscada de pistoleiros. Para a Polícia, o criminoso era ele, que não tinha licença para tentar proteger a própria vida, e não os que o caçavam pela região para calar definitivamente sua voz.
O delegado José Alcântara, da Delegacia de Conflitos Agrários e que comandou as investigações sobre o crime, admite dificuldades para chegar aos autores do crime, tanto pistoleiros quanto mandantes. Um dos suspeitos de participação, conhecido por José Paulo Leite, chegou a ter sua prisão decretada pela Justiça, mas fugiu da cidade. Depois, obteve habeas-corpus preventivo. A irmã da vítima, Ivanilde Prestes, que critica o pouco empenho da Polícia para elucidar o caso, segundo o delegado, inicialmente concordou com a suspeição levantada sobre a participação de José Paulo Leite.
Entrevista - Em uma entrevista à Rede Globo, gravada em Belém, em 2003, Adilson Prestes denunciou a ação do crime organizado, dizendo que estava sendo ameaçado: “A gente vem denunciando esses trabalhos escusos e tem sofrido várias ameaças”. Ele chegou a desenhar um mapa indicando os locais da exploração de mogno e apontou a existência de um cemitério clandestino na região. Contou também que sua mulher havia desaparecido em circunstâncias misteriosas.
O promotor que investigou o caso, Mauro Mendes de Almeida, acha que houve omissão. De acordo com reportagem da época, a Polícia Civil abriu inquérito para apurar as denúncias do pequeno pecuarista, mas o delegado encerrou as investigações sem indiciar ninguém. O relatório “Observatório da Cidadania”, do Fórum da Amazônia Oriental – FAOR, acusa que em 2003, Adilson Prestes ficou 39 dias preso e foi torturado pela Polícia de Itaituba.
Retratos - No início das investigações, a Polícia tinha informações de que os autores do crime seriam dois pistoleiros. Mas os depoimentos indicaram a presença de uma terceira pessoa na cena do crime. O suspeito seria moreno, forte e usava barba, mas não chegou a atirar contra a vítima, permanecendo cerca de dez metros distante.
Segundo uma testemunha, o primeiro pistoleiro seria branco, com idade aproximada á 19 anos, magro e 1,73 metro de altura. Pela visão de outra testemunha, o mesmo suspeito seria magro, branco, mas teria 20 anos e 1,75 metro de altura, o que gerou para a Polícia dois retratos falados, ambos com características semelhantes.
Adilson Prestes nasceu em Laranjeira do Sul (PR) e se instalou em Novo Progresso em 1994 depois de passar um tempo morando com a família no Mato Grosso. Lá, um de seus irmãos foi assassinado no ano de 1996. Em 2003, ele, junto com outro irmão seu, foi preso por porte ilegal de arma, permanecendo 39 dias na cadeia pública de Itaituba.
Venda - Nos depoimentos dos familiares ao delegado José Alcântara, eles alegaram que a prisão foi uma armação por causa das denúncias que faziam contra grileiros de terra e invasores. Adilson Prestes possuía 900 hectares - o equivalente a quatro quilômetros de frente por dez de fundos - na Gleba Curuá. A gleba tem uma área total de 40 mil hectares. Embora tal transação não fosse permitida, pois a área pertence ao Estado, em 2000 um homem chamado Manoel Cavalcante “vendeu” a propriedade para Rubens Lima, o 'Rubão'.
Sócio da vítima é suspeito do crime
O suspeito, que era sócio de Adilson Prestes, teria tido divergências com ele sobre a venda de um lote de três mil hectares e encomendado o assassinato. “Agora, ela diz que não foi ele”, observa o delegado. Nenhum suspeito de desferir os quatro tiros ficou na cadeia. O delegado José Alcântara tinha quatro suspeitos do crime, mas explica que não pediu à Justiça a prisão de nenhum deles, porque entende que a ordem não seria concedida.
Um deles, suspeito de ser intermediário do assassinato, conhecido por Claudiomiro, foi preso por decreto assinado pelo então juiz da Comarca de Novo Progresso, Fredson Capeline. Enviado para Belém, ele ficou na cadeia por 60 dias, mas saiu por ordem judicial. Claudiomiro negou ter contratado o autor dos tiros, com quem teria sido visto dias antes. Ele disse que falou com o pistoleiro sem saber quem ele era. O encontro teria sido “por acaso”, num bar de Novo Progresso.
O padre Edilberto Sena, da Comissão Pastoral de Terra de Santarém, não concorda com a impunidade de criminosos envolvidos em mortes por encomenda. Ele critica a insegurança em que vivem os militantes de direitos humanos e defensores da Amazônia no Pará, mas volta suas baterias contra advogados que defendem acusados de crimes violentos. Por terem bons advogados, esses criminosos raramente vão para a cadeia. 'Os bons, nesses casos, são aqueles que conseguem manipular as leis e as suas filigranas', afirma Sena. E explica não entender quando um advogado que se diz 'ético' abraça causas dessa natureza. Os que lutam pela terra, entende Sena, por não terem “bons” advogados, sofrem quando são derrotados. Dois exemplos por ele citados são os processos de Eldorado dos Carajás, com “todos soltos”, e dos emasculados de Altamira.
O caso de irmã Dorothy, acrescenta o padre, só ganhou outro contorno devido à repercussão internacional que teve. “Nesse caso, não foi somente a competência dos advogados, mas também a pressão feita de fora do Brasil”.
Sena defende celeridade também nos casos do assassinato de Prestes e do sindicalista Bartolomeu Moraes da Silva, o “Brasília”, assassinado há quatro anos em Castelo dos Sonhos por pistoleiros. O padre quer que a CPT de Itaituba, pressione as autoridades para que a morte de Prestes não fique impune. “São tantos os crimes nesta região do Pará que a gente até esquece deles e de fazer uma pressão maior. Não deveria ser assim, mas é”, resumiu.

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